sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O advogado bateu fofo e, na confusão, correu zilado.

Dias atrás, muitos acordaram surpresos com a repercussão das declarações insanas do advogado Gustavo Zanelli. Mais que surpresos, muitos - assim como eu - acordaram envergonhados e revoltados. Até onde pude apurar e entender, o advogado mudou-se momentaneamente para o Maranhão por conta de sua esposa, que seria aluna de Medicina na UFMA. Pois bem, era um recém-chegado, mas já veio, infelizmente, com aquela maçaroca de preconceito por baixo dos braços (e dentro da cabeça). 



Ainda ontem tinha lido sobre a ação do Ministério Público e de outros órgãos do Estado por conta das declarações racistas. Depois da explosão da repercussão, o advogado, certamente assustado e com o rabo preso entre as pernas, tratou de entrar em contato com a OAB e, segundo consta, alegou que o seu perfil no Facebook havia sido hackeado. Covarde. E, além de covarde, mentiroso. Antes de deletar o seu perfil na rede, pude conferi-lo e, entre várias mensagens, vi que ele trocava inúmeras palavras com seus amigos e conhecidos. Diante de tudo, resta dizer: vossa excelência (é, é...) bateu fofo, arregou. Em resumo: gelou foi certo!

Euclides da Cunha, autor de Os sertões, cunhou a seguinte frase: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte". E é isso que o povo nordestino é: uma força que insiste em resistir a tudo. Fome, falta d´água de um lado, chuva em excesso de outro, abandonos mil... O nordestino é, por natureza, um sobrevivente, um lutador, um guerreiro.

O que motiva um advogado a dizer tais asneiras? Antes de tudo, desconhecimento. Embaixo (e por cima, e pelos lados) de todo preconceito há um grande desconhecimento. E uma grande irresponsabilidade. Ao dizer o que disse, o advogado Gustavo Zanelli certamente não mediu o poder de suas palavras (talvez por achá-las imbatíveis, incontestáveis, inimputáveis? Ah! A certeza dos tolos...). Ao dizer o que disse, certamente não imaginou (e nem se preocupou) com o que poderia acontecer. Teria pensado em sua esposa, na situação de ser uma aluna de uma faculdade maranhense, a ter de conviver dias, meses e anos com colegas (alunos, professores, funcionários) maranhenses e nordestinos? Certamente não. Segundo dizem, o advogado correu zilado. O destino é incerto, mas o medo é certeiro. A justiça tem meios de localizá-lo. Esperemos pelos próximos e justos capítulos.

Como disse anteriormente, todo preconceito vem carregado de desconhecimento. O advogado separatista (sugiro um nome: na Espanha há o ETA; ao advogado, sugiro o ÊTA!), por certo, desconhece a história do seu próprio país. Ou pensará em fazer de Cambé, cidade de quase 100.000 habitantes no interior do Paraná, seu próprio país, tornando-se delegado, padre e prefeito ao mesmo tempo? Ou só lhe bastaria ser rei (nem que seja rei de si próprio)? Na última segunda-feira, o jornalista Laurentino Gomes, autor da trilogia mais vendida do Brasil (a saber, 1808, 1822 e, agora, 1889), foi o entrevistado do Programa Roda Vida. Lá pelas tantas, por conta do lançamento do último livro (já best-seller com 300.000 mil cópias), indagaram-no acerca do que seria o maior mistério da história brasileira, o fato que mais o surpreendeu durante as pesquisas para a escritura dos três livros. Ele respondeu algo como o fato de sermos um país, termos resistido aos encantos do separatismo. No mundo que valoriza a diferença, o advogado deu um show de ignorância, truculência e, desplugado da realidade, preconceito. No mundo das trocas culturais, das experiências e possibilidades múltiplas de viver e estar, o advogado quer um mundo uniforme, do jeito dele, dividido entre "os dele" e "o resto". Nas palavras dele, nesse sentido, não adianta querer ver "qualidade nesse povo". Entre tantas, sentencia: "É por isso que há tão poucos sulistas por aqui".

Vale lembrar, este ataque de sincericídio racista (?) não foi o primeiro. Pior, não será o último. É preciso olhos bem atentos para que o preconceito não vire rotina, que a ignorância não seja naturalizada e que o desconhecimento não seja louvado como certo. Em outubro de 2010, logo após a vitória eleitoral de Dilma Rousseff sobre José Serra, a estudante de direito Mayara Petruso destilou impropérios contra os nordestinos no Twitter. Lembram dela? Recentemente, ela foi condenada a 1 ano, 5 meses e 15 dias de prisão pelo crime de racismo. Diferentemente do advogado, ela admitiu a publicação e disse que foi motivada pelo resultado que lhe desagradou. Afirmou ainda que não tinha a intenção de ofender, que não é preconceituosa e que não esperava tamanha repercussão. Disse estar arrependida e envergonhada. A juíza, na sentença, ponderou: "O que se pode perceber é que a acusada não tinha previsão quanto à repercussão que sua mensagem poderia ter. Todavia, tal fato não exclui o dolo". É preciso, ressalto, responsabilidade e hombridade - matéria-prima cada vez mais rara. De um lado, bancar suas posições, suas declarações. De outro, assumir seus erros (e as consequências deles). É assim a vida - ou ao menos assim deveria sê-la. E, olha, ainda há quem insista em achar as redes sociais uma besteira, uma distração, um mero passatempo. É, pode ser, mas é preciso saber também que estamos além disso, sobretudo se considerarmos o nível de hiperconexão social a que estamos submetidos (com ou sem consentimento). A verdade é: estamos todos nus!




Há algumas semanas, depois de um apagão elétrico que atingiu parte do Nordeste, no Twitter podia-se ver o seguinte (entre outras declarações):




O preconceito se dilui de tantas formas que, muitas vezes, nem percebemos. Achamos engraçado e não somos parte disso, afinal, isso é o outro. Vejamos:



Isso só pode ser piada se você desconhece a sua realidade, se você ignora que há plantas, animais e seres humanos definhando de sede e de fome. Mas, mas, mas... nós nordestinos, além de tudo, além de nosso desejo terrível de viver (o que é nossa miséria e salvação), ainda somos sobrecarregados de bom humor e de esperança, a força que nunca seca. 



E pensar que o Maranhão será uma lembrança inesquecível para o resto da vida do advogado Gustavo Zanelli... Que ironia!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Doença da alma

Ontem matutei que, não importando os motivos, as razões ou os porquês, quando uma pessoa resolve tirar a própria vida, todos morremos um pouquinho. É como se nós, enquanto humanidade, não estivéssemos dado certo, sobretudo naquele nanosegundo que separa a faca do pulso, o revólver da cabeça, o comprimido e a boca.

Existem inúmeros estudos contemporâneos sobre o suicídio e muitos focam nas características individuais dos sujeitos. Émile Durkheim, figura de proa da Sociologia, publicou no distante ano de 1897 o seu clássico "O suicídio", uma das obras máximas da disciplina. Nela, Durkheim, entre outras coisas, analisou brilhantemente as conexões entre os indivíduos e a sociedade, buscando demonstrar que o ato de suicidar-se é resultado/produto do meio social que cerca o indivíduo. Ou seja, o ato é encarado a partir dos diferentes graus de integração com grupos - o que ele chama de integração social. Esse grau de interação e de laços sociais, entre outras coisas, fortalece ou enfraquece a ideia do suicídio, o ato de suicidar-se. Exemplo prático: taxas de suicídio são maiores entre os solteiros, viúvos e divorciados do que entre os casados; taxas são mais altas em pessoas que não têm filhos. E por aí vai.

Ontem acordei com a minha esposa me dizendo: "O Champignon do Charlie Brown se matou". Semana passada, um outro amigo me disse sobre o suicídio de um outro rapaz. Tudo triste, muito triste e pesado. Mas mais pesado não foi ter acordado ouvindo isso, mas ter ido dormir depois de ler coisas como: "Acorda pra vida! Não se mate. Há muita coisa melhor a ser feita. É triste perceber que esse é o único jeito que alguns acham para aparecer, pra chamar atenção, pra se destacar". Sério. Ao ler isso e constatar quem diz isso, meu estômago embrulha. Minha humanidade desfalece. Há algo de mais profundo e obscuro nessas falas, não é possível! Estamos em 2013, mas poderia ser... aliás, até quando vai ser assim? Pra sempre? Até quando, a pretexto de "penso assim", poderemos falar o que julgamos como certezas de nosso mundinho, imiscuindo-nos n'uma seara que não tão bem entendemos? Quando dei por mim, entendi que liberdade é irmã siamesa da responsabilidade. Sou um tolo? Nem preciso dizer que, claro, entre outras mil frases, comentários e "não que eu esteja julgando ou queira julgar alguém, mas...", estava lá, como que reluzente: "Isso é falta de Deus no coração". Diante disso, como domar os meus instintos mais primitivos?

Quem morre leva consigo o verdadeiro motivo de seu ato final. O suicídio, salvo exceções, é muito bem pensado, maquinado, orquestrado. Mesmo no desespero, a centelha da ideia estava lá, pronta para ser regurgitada. Em algumas vezes, pelo que entendi, considera-se tudo: contas a pagar, o filho a nascer, negócios a fazer; em outras, nada importa. Quem se mata leva consigo (mas também deixa) muita dor, saudade e incompreensão. O certo, tenho para mim, é: só o tempo para agir sobre dores da alma. E olhe lá! Há dores que não passam nunca, só diminuem. Ou a gente finge que elas diminuíram. A gente pega a dor, a esconde, em outras se esconde dela, trocamos a roupa para que não a reconheçamos... mas ela estará lá, sempre estará lá pronta para ascender feito um vulcão impaciente por ter sido ludibriado. Há quem olhe no corpo do suicida um corpo podre e sobretudo uma mente fraca. Nunca, nunca o olham como um produto de uma doença, a pior das doenças: a doença da alma. O Champignon perdeu seu amigo dileto - um segundo pai, como já pude conferir em entrevistas do próprio. Na verdade, ele perdeu seus dois principais amigos: o Chorão e o Peu Sousa, ex-guitarrista da Pitty. Quem perde amigos perde pilares de sustentação, perde motivos para sorrir, perde força para viver. Quem perde alguém pode nunca mais se encontrar. Quem perde alguém que gosta de verdade nunca permanecerá igual, indiferente, indolor. Vinícius de Moraes, um dos nossos faróis, disse um dia: "Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre...". Mesmo diante disso, ainda há quem ache que se matar é sempre buscar holofotes. Não é mórbido que usem isso como holofote justamente quando a luz se apaga?