terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O Lulu vai te pegar!

Ontem, logo após o almoço, a minha digníssima esposa vociferou, sem nem ao menos deixar que eu começasse a digestão: "Que história é essa que tu tá nesse aplicativo Lulu, Filipe Aquino?". Você sabe, desde os primórdios e quase sempre, que se uma mulher chama você pelo nome completo é que alguma coisa está errada. Lembre-se de sua mãe ou de sua professorinha, o seu primeiro amor infanto-juvenil... A sua avó está aí para confirmar a regra. Vó, a exceção. Vó só chama a gente no diminutivo. Netinho querido. Pouco importa se você já tem 30 anos, é casado ou mesmo se ela tem outros mil netinhos e netinhas. Pois bem. Já tinha ouvido falar do aplicativo, mas não consegui acompanhar a discussão em volta dele e ontem, por conta dessa questão, parei e fui ler a respeito. Fiquei estarrecido.

Foi-se o tempo em que as dores e delícias dos relacionamentos a dois ficavam entre duas paredes - ou entre duas pessoas. (Homenagens ao deus Baco são extremamente susurráveis dadas o clima de congratulação e conquista coletivas). É bem verdade que homens costumam compartilhar experiências passadas e presentes nas conversas entre amigos. Mas as mulheres também já não fazem isso há tempos? Eu sei, os grupos de WhatsApp estão aí, mas vamos fingir por um momento que lá todos somos imaculados. Neste momento histórico em que cada um de nós (seres sociais em redes sociais) é um agente de (des)informação, ou um produtor de conteúdo (as marcas e grandes corporações adoram essa qualificação, especialmente se puderem não pagar absolutamente nada), tudo ganha uma inesperada dimensão.

Alexandra Chong é a idealizadora do Lulu. Ela é uma advogada sul-africana de 30 anos, loira, cabelos longos e ondulados. Na foto que vi, fez pose e carão de quem sabe o que quer. Nas palavras dela: "Hoje buscamos referências para escolher um produto ou uma casa. Por que não fazer o mesmo com quem queremos nos envolver?". É claro que informação é bom e quase todo mundo gosta. Mas, que tipo de informação é essa? Segundo li em uma reportagem, o público-alvo inicial do aplicativo foi a massa universitária americana - uma em cada quatro americanas o usa. De 250 milhões de avaliações, 1/3 foram feitas por ex-namoradas. Luz amarela: nesse quadro, o Lulu pode facilmente se tornar uma opção de vingança para muitas pessoas. O Tubby, a versão masculina do Lulu, pode ser classificado da mesma forma. Até onde vai a nossa curiosidade pelo outro? Até onde vai o nosso desejo de vingança? Até onde "alguém vai querer entregar o ouro pro bandido"? Coitado do ser que, por motivos distintos, acabou dois ou três relacionamentos diferentes. Periga tomar porrada de todos os lados, não?

Uma coisa curiosa que percebi foi o quanto o "machismo invertido" está em jogo. Sob um manto de "só vamos fazer o que os homens sempre fizeram", muitas mulheres parecem não terem percebido o quanto esse aplicativo - e a ideia por trás dele -, ao invés de "igualar os direitos", cof!, cof!, só nivela - e por baixo - toda a questão. Segredos da alcova agora pululam entre uma lembrança memorável e uma dor inesquecível. Os diferentes sexos (gêneros!), penso eu, devem ser vistos não só como opostos, mas sobretudo como complementares. As dores e delícias estão aí, afinal.

Toda a sanha de não querer ter sua intimidade - verdadeira ou falsa - publicada para todos verem nos diz muita coisa. O conceito de sociedade (modernidade/vida) líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, nos dá uma interessante luz. Bauman diz: "líquido-moderno é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo."

Em outro momento de sua vasta obra, o sociólogo salienta: "O truque é comprimir a eternidade de modo a poder ajustá-la, inteira, à duração de uma existência individual."

Dito isto, aí reside uma mudança interessante: nada dura para sempre. Pelo contrário: hoje as coisas parecem durar cada vez menos. Querem sempre nos dizem que isso é bom e moderno, mas isso também é muito ruim e cansativo. Aquele casamento de décadas - ou aquele emprego, ou mesmo aquele estilo com o qual você se vestia - virou raridade. "No mundo líquido-moderno, a lealdade é motivo de vergonha, não de orgulho." Não mudar (ou mudar muito pouco) parece passar atestado de incompetência, de preguiça, de acomodação. O dito normal - ou a quase norma - parece ser você aproveitar a viva, correr camaleonicamente atrás do que dizem ser felicidade, tudo embalado naquele modelo família-família-papai-mamãe-titia, carro do ano e celular com uma vogal depois de um número. Nessa esteira, você, mulher corajosa que é, vai namorar quem e quantos quiser até achar a bendita tampa de sua panela. Tudo bem e tudo bom, até que surge o Tubby a lhe despertar os sentimentos mais primitivos, a la o meu passado me condena. Mas a criadora do Lulu garante: "Não se trata de vingança, mas de compartilhar o que você sabe". Desequilíbrio que tenta se equilibrar numa faca amolada que diz "quero saber, mas não quero que saibam". A questão das ditas liberdades femininas desperta interesse especial, uma vez que a ideia de uma mulher com vários relacionamentos ainda perdura sob uma infame adjetivação negativa. Um amigo, numa analogia mulher-automóvel, me disse certa vez: "Quem quer máquina usada demais? Eu quero é máquina nova!". Enquanto isso, livre, leve e solto, o macho-varão com muitos relacionamentos é visto como um vencedor, um garanhão, um reprodutor. Em resumo: um ás do Kama Sutra. Esse mantra avaliativo que diz se mulheres e homens são bons a partir de suas quilometragens, estados dos pneus, situação da lataria e do parachoque infelizmente parece ser repetido e passado para a frente não só por homens. Essa aberração ganha vida nos salões de beleza repletos de Marie Claire, Vogues e afins, treina na academia que só aceita mulheres, dialoga, com foto e vídeo, nas mensagens que iluminam a escuridão dos quartos nas madrugadas insones via grupos de WhatsAppCantemos todos juntos: minha dor é perceber / que apesar de termos feito tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos / como nossos pais

Tá. Além dessas coisas infames e por essa curiosidade mortífera, o que eu, eu mesmo, euzinho, tenho a ver com isso? Sim, vamos lá: somos e estamos cada vez mais idiotas, imediatistas e superficiais. Para ver isso não precisa nem usar óculos. Mas o que me incomodou realmente foi o aplicativo ter me adicionado sem eu ter aceitado nada, certo? Certo, mas errado. Do ponto de vista jurídico, segundo reportagem da revista Época, essa premissa é falsa. Ou seja, aceitei sem nem ver que aceitei. Nos homéricos termos de uso - sim, aquele termo que a gente diz aceita sem ler, aquele mesmo termo que a gente aperta enter/avançar adoidado pra acabar logo -, está previsto que usuários autorizam que aplicativos usem nosso nome, nossa foto, nossa lista de contatos... Raquel Recuero, conhecida pesquisadora de mídias sociais da Universidade Católica de Pelotas afirma: "Mesmo controlando a privacidade de seu perfil, os usuários não se blindam contra usos inconvenientes de dados. Isso mexe com a nossa reputação. O que é dito nas redes sociais afeta nossa vida".

Apesar disso, ainda há quem ache que "esse negócio de redes sociais, Twitter, Facebook" é brincadeira, uma passatempo. É só mais um site para você entrar quando tiver 5 minutinhos de descanso no almoço ou entre um trabalho e outro, uma entrevista e outra... Assange, Snowden e toda a espionagem mundial feita pelos Estados Unidos é meramente um exagero, coisa de gente que não tem o que fazer. Nós nos vendemos sem saber que nos vendemos e agora quem nos comprou nos vende e recebe muito, muito por isso. Segundo notícia, os donos do aplicativo Lulu já receberam quase 5 milhões de dólares de investidores. A mais baixa curiosidade do mais alto e antigo prazer colhe seus louros produzindo loucura.

Li hoje um amigo dizendo que, daqui pra frente, a questão da privacidade vai deixar de existir. Acho uma bobagem tremenda. Não concordo mesmo. Pelo contrário: a nossa privacidade está e vai ser cada vez mais invadida, o que só me demonstra a necessidade de reafirmarmos esse direito inalienável. Isabela Guimarães, do escritório de Direito Digital Patrícia Peck Pinheiro, diz: "A privacidade é um direito básico. Divulgar informações sobre sua performance sexual assim fere esse direito". Já é sabido que as classificações dadas no Clube da Luluzinha estão além-fronteira do aplicativo, pois já estão publicadas em blogs e sites. Achou pouco ou que é bobagem? Agora pense nos vídeos íntimos que são divulgados ou postados em sites xxx diariamente. Continua achando pouco? Pense na recente onda de vergonha e suicídio que assola jovens (claro, a imensa maioria é de mulheres. Deve ser coincidência, você sabe) em suas descobertas sexuais. Não somos donos nem dos nossos corpos, o que é muito, muito triste mesmo. E, bem, que já somos produtos não é novidade. O que parece ser uma incômoda novidade é que o produto é a gente, mas quem nos avalia (ou melhor, nos vende) são os outros (ou as outras, no caso).

A ilusão do nosso século parece ser a ilusão do anonimato conferida no ambiente virtual. Ledo engano, para o bem e para o mal. Enquanto isso, vamos levando a vida, nivelando por baixo, destruindo pontes de confiança, manchando lembranças, publicizando desventuras... Desafiando e dinamitando a fé na humanidade.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Bumbum paticumbum prugurundum!

Veja como o Brasil está diferente (quem sabe até melhor, cof! cof!): depois do sono dos justos de ontem, acordei hoje para ler por aqui que todo mundo (ééé, ~ todo mundo ~) agora quer ser funcionário público, mesmo quem nunca tenha ligado pra isso, nem mesmo adentrado em um prédio público (fiquei com medo de falar "repartição" e ouvir um "mas repartição não é o ato de dividir o HD do computador em várias partes?"). Gente que só entra em prédio público quando é pra votar - e olhe lá, afinal, tem sempre um colégio ou uma faculdade particular servindo de zona. Faculdade e colégio virando zona, vai vendo... Mas, digo... tá tudo certo, né? Digo, penso, fecho os olhos e... Hei!: agora até quem é pelo Estado-mínimo, pela família papai-mamãe & mamãe-papai, meritocracia, propriedades que couberem no dinheiro, pelos bons costumes e gostos e blá blá blá resolveu se manifestar contra as cotas no setor público. É ou não é o grande desejo de ser funcionário público incubado? É, sabemos que não. Na verdade, sabe o que é? É mais uma de nossas jabuticabas: gente que não está nem aí para muita coisa ("coletividade do eu primeiro"), nem aí para o setor setor público, mas, olha, preto, pretinho, escurinho, lá? Nem pensar, viu? Além do mais, somos todos misturados. Você sabe, aqui em nosso Brasilzão de meu Deus é essa mistureba toda. Cores, raças, castas, crenças: riquezas são diferenças. Mas só na música dos Titãs. Aliás, isso é uma música? Música é a nossa cara. Bumbum paticumbum prugurundum! Todos somos ~ ricos em espírito ~  e, vou te dizer, não somos racistas, nunca fomos. Como poderíamos ser? Somos tudo misturados, pô! A prima da menina que é diarista na casa da minha tia - sim, aquela que veio lá do interior e que come e dorme sem pagar coisa alguma - tem um filho de olho azul. Lindo o menino. Isso não é lindo? Diz aí! Inclusive, a mistura é tão grande que a gente pode chamar todo mundo que vem do Nordeste de baiano ou paraíba. É ou não é tudo a mesma coisa, tudo junto e misturado? Isso tudo é porque querem transformar este país n'uma Cuba. Já vieram os médicos e agora eles vêm com esse negócio de negros a trabalhar. Olha, inclusive, os médicos de lá são tudo pretinho... Tem alguma coisa aí, viu? Tem ou não tem? Olha o golpe! Isso é esquerda caviar. É, esquerda caviar, sabe como é? É aquele pessoal que vive no nordeste e adora ar condicionado. Esse povo não tem jeito. Adora mordomia. Adoro uma mamata. Adora uma bolsa. Bolsa-Família, Bolsa de estudos, "Bolsa Minha Casa, Minha Vida"... Mas a gente é feliz como um todo, viu? A gente tem essa "coisa feliz" dentro da gente, sabe? Esse treco mágico que faz a gente ser sorridente, mesmo que seja banguela de dente e de algo ~ que dê "sustança" ~ no estômago. Somos todos iguais. Insisto. Não viaja em dizer o contrário! Somos tão iguais que nem nos preocupamos em ver que somos uns mais iguais que os outros. Li uma vez que "Não se vê o que não existe". Não sei se foi a Clarice Lispector ou o Caio Fernando Abreu quem disse. Aliás, é Lispector ou Linspector? Eu sempre me confundo. Em todo caso, acho que ficar citando ela ficou meio fora de moda, né? Perdeu a graça. É que nem quando o pessoal do Orkut veio pro Facebook, que nem quando o Instagram aceitou o povo que usava o Android... Virou bagunça. Acho que vou dizer que foi um tal de Leminski quem disse. Ele tá com tudo, né?

Uma coisa curiosa: lá no serviço público não só tem gente incompetente? Se falar naquele pessoal que só tem ensino superior (quem sabe é só o médio?), mas ganha mais que um professor-doutor. Ganha mais e trabalha menos. Marajás. Ah, como deve ser bom ser funcionário público! Esse povo quer é moleza. Adora um jeitinho. Ô povo pra gostar de jeitinho, viu? Não somos o país do jeitinho? Ô, se somos! Por falar neles, que mal faz aceitar um bando de pretinho pelas cotas, um navio negreiro - um camburão pré-moderno - a mais não vai fazer muita diferença. Ou vai? É. Cotas para raças é burrice: esse povo não estuda porque não quer. É preguiçoso. O que esse povo gosta mesmo é de vagabundar e vir ganhar uns trocadinhos, umas moedinhas. Às vezes, acho que eles gostam mesmo é de ficar vigiando o carro e, de repente, surgem com aquele prazer que só quem gosta de ficar debaixo de um Sol escaldante por horas a fio sente. Flanelinha é abusado, né? Onde já se viu? A rua é pública. Eu pago imposto. E muito, viu? Odeio flanelinha! Pega o nosso dinheiro e vai logo beber cachaça. O governo deveria fazer alguma coisa, sei lá, revitalizar esse centro. No centro só mora vagabundo e viciado, sabia? Tudo perdido no crack. Esse povo gosta mesmo é de invadir a casa dos outros. A pessoa demora tanto pra conquistar algo, muitas vezes recebe de herança, e tá aí, um monte de drogado invadindo a casa que tava fechada, mas prontinha para receber alguém. É um absurdo! O governo tem de fazer alguma coisa. Não existe oposição neste país? Nossos políticos são tudo vagabundo. São todos iguais. Esse povo aí das cotas, hum, acho que esse povo tem talento é para vigiar carro. Vigiar carro ou bater pandeiro. Viu o programa da Regina Casé? Só tem batedor de pandeiro. E tem até um gari lá. O rapaz até samba direitinho... Pôxa, merecia uma chance na vida. Não conheces ninguém que possa ajudá-lo num estágio ou coisa do tipo? De repente, pode ser algo na área de serviços gerais, né? Acho que ele aceita. Ele trabalha com limpeza, tem experiência... Por essas e outras, então, odeio cotas. Acho que as cotas precisam considerar a questão social. Porque não tem só preto pobre, sabe? Hoje tem branco pobre, sabia? É, pois é. (o que não muda mesmo parece ser a pobreza...) Ainda demorarão muito para dizer que tudo isso é artimanha da propaganda lulo-petista? A essa tal de Dilma, essa terrorista! Dilma, dilmalandrinha. Pois façamos assim: toda vez que alguém borrifar ser contra as cotas, você pergunta: "na tua escola tinha quantos, rapá?". Não se esqueça de salientar que não vale incluir nem o "tio da lanchonete", nem o "tio da limpeza", nem o "tio do portão". Adianto: você deve esperar a resposta-padrão: "Tinha alguns. Mas esse nem é o ponto. Eu acho que a pessoa deve conquistar o que quiser com esforço próprio". Aí você respira, que ninguém é de ferro. Respirar faz bem. A seguir, tente ponderar: "Ok! Todo mundo deve conquistar suas coisas mesmo. É um prazer único conquistar o que a gente quer, não? Mas, me diz uma coisa, na tua opinião, largamos todos do mesmo ponto? Ou há alguma diferenças, digamos... entre raças?". Estique as pernas como se tivesse na praia, mesmo que você esteja num cubículo, diante de uma mesa, um computador e uma parede tranquila como a cor pantone do ano rerereretrasado - era um sucesso, né? Deixou a sala tão... clean. Relaxe. Os ouvidos, sobretudo. Tente ouvir. É possível que responderão algo como: "Olha, eu acho que raça nem existe, mas... o que eu acho mesmo é que a pessoa tem de conquistar com seu esforço. Tem de se dedicar. Tem de ter fé. Tem de trabalhar. Tem de correr atrás. Somos todos iguais. Não nascemos com duas pernas, dois braços, dois olhos? Todos temos a mesma chance! A solução é a educação". Você respira de novo, pois sabe que a solução é a educação, aquela que possivelmente você recebeu e se nega a admitir a remota possibilidade de que o outro não a recebeu, ou mesmo a recebeu pela metade, justamente a metade podre. Depois de tudo, se você tiver ainda tiver um naco de paciência, sugiro tentar perguntar se é coincidência ou não que as cadeias brasileiras estejam apinhadas de um monocromatismo de dar dó. (se der, cite a cadeia americana, que está na mesma situação. Isso é bom. Mostra que você é um cidadão do mundo, globalizado, antenado. Na verdade, é chique de vez em quando citar algo dos Estados Unidos, sabe? Anyways...). No fim, depois de tudo, eu te garanto: bom mesmo é dormir. :)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O dia em que corri mais rápido que qualquer campeão olímpico

Ben Johnson, Carl Lewis, Donovan Bailey, Asafa Powell, Usain Bolt. Escolha qualquer um. Escolha qualquer um desses. Se preferir, escolha qualquer outro que não citei. Pense em algo bem veloz. Vale até escolher um guepardo. Contudo, desde já, alerto: nenhuma - absolutamente nenhuma - escolha foi, seria ou será capaz de correr mais que eu quando como n'uma fatídica noite de segunda-feira, há uns 14, 15 anos. Eu, lá pelo meio da adolescência, destrambelhado e observador, vinha alegre e cansado de um jogo de futebol de salão no Guioberto Alves, um dos grandes ginásios esportivos de São Luís, localizado no entroncamento do bairro onde vivi a vida inteira (Parque Amazonas) e outros dois, o Bairro de Fátima e a Areinha, dois dos locais mais esquecidos de São Luís, a capital brasileira do abandono, a capital sulamericana do descaso, a cidade que é patrimônio mundial mas que, esquizofrênica, tem surto zumbístico-asfáltico de 6 em 6 meses. Pois bem. O ginásio fica a não mais de 200, 300 metros de minha casa. Fui andando para já chegar aquecido, pronto para o jogo. Animado, rumei ao ginásio cheio de tralha: meias, tênis esportivo, chinelo, camisas, calção. A isso, maquinava jogadas mentais, possibilidades para anular alternativas dos adversários e evitar gols desastrados. Era só um jogo? Era mais um jogo? Não sei. Ia cheio de sonhos. Não lembro o placar final do jogo, mas não consigo esquecer que voltei voando feito um raio que decide cair no exato instante em que cai.

Nessa triste e distante segunda-feira, andava pelas ruas já mal iluminadas de minha cidade, de meu bairro. No bairro da minha vida, bairro esse que você passa a vida toda e vê um monte de familiar decidir morar até o fim dos seus dias porque, sei lá, é assim, é melhor assim, sempre foi assim. Eu sou daqui. Eu sou isso aqui. Vou pra onde? De cabeça baixa, lembro de estar pensando no que deu certo e errado no jogo. E fui andando, vestido com as roupas que levei de casa: uma camiseta qualquer, uma bermuda, um par de chinelo. No ombro, carregava, com minha alta e franzina estrutura física, uma grande bolsa que, dentro, levava um tênis de futsal de pontuação 40 e a equipagem completa do time, orgulho de todo amador que adora esporte: o calção e a camisa 4 do time de futsal do Farina, a escola que estudei entre os 4 e 15 anos.

De cabeça baixa fui andando, guiado pelos rastros de luz, a fraca luz dos postes que a cada passo ia se amarelando e escurecendo mais e mais como se quisesse ela própria desistir da vida, apagar-se, anular-se, queimar-se antes de ser vítima de uma pedrada qualquer que a despedaçasse por inteira. A rua estava deserta, mesmo ainda não sendo nem oito horas da noite. O poste - o único poste desse trecho na rua toda - fica exatamente na frente da casa do meu tio. Decido continuar andando da calçada, passar pelo estreito espaço entre o poste e um muro pichado por letras e frases estilosas que sempre me chamaram atenção e me despertaram a curiosidade: "O que será que tá escrito? Não consigo identificar nada!". De repente, como num susto, dois jovens pararam na minha frente. O da esquerda se apressou em segurar a bolsa, logo me intimando a não fazer nada, não gritar, nem correr. Enquanto isso era mentalizado por mim, o da direita levantou sutilmente a camisa, de forma que ficasse impossível não visualizar uma faca e seu espantoso tamanho: uma reluzente peixeira. De olhos arregalados, permaneci imóvel como se sentisse a própria respiração dentro de um escafandro. Talvez pressentisse que algo estava mudando para sempre, algo se transformando irremediavelmente, feito um conhecimento libertador, feito como quem vê a vida e a inocência escorrendo pelos degraus de uma escada num filme em branco e preto. Remexeram meu bolso. Confirmaram que eu não usava relógio. Perguntaram pela minha carteira. Vasculharam minha cintura. Eu não tinha nada, e tudo que tinha estava na bolsa. O inferno - longo e penoso como uma violação de lei divina que eu já não acredito - parecia estar próximo do fim. Nesse instante que precede o estouro da liberdade então aprisionada, uma bomba explode: o então meliante que carregava a faca me pediu para tirar a camisa, soltar o chinelo e tirar a bermuda, ficando só de cueca. Meu primeiro pensamento é fugir, correr, sair empurrando tudo e todos com a força que só um desesperado pela vida pensa possuir. Tiro a bermuda, solto a chinela, estico a camisa, que agora parece estar colada ao meu corpo como uma segunda pele. Fico só de cuecas. Pegam a minha roupa, minha chinela, empurram tudo na bolsa e saem correndo em disparada. Em três segundos, os dois se misturam à penumbra da rua deserta, da esquina mal iluminada, da noite insone. Enquanto isso, eu, como um figurante, pareço uma terceira pessoa que vê tudo de longe: de um lado, dois correm. De outro, eu vejo a mim mesmo como se estivesse num palco, parado, imóvel, iluminado por um canhão de luz e desespero.

Sozinho, na névoa do nervosismo errático de quem acabou de ser assaltado, só de cuecas, cansado e humilhado, saio correndo. Saio correndo pra casa com o orgulho ferido, como se estivesse totalmente despido de minha incipiente cidadania. Como se o certo de meus direitos, dos meus bens, da minha própria vida, estivessem acabado de sofrer uma dilapidada. No meio da correria entre local-de-assalto-e-minha-casa, 100 metros precisavam ser superados. Nisso, pouca importava se eu já me encontrava fisicamente extenuado pela partida de futebol. Mentalmente stressado, então, nem se fala. No meio do caminho e do desespero, vizinhos e vizinhas observavam com estranheza aquele jovem de não mais de 15 anos correndo de cueca pelo bairro escuro e esburacado, mas sempre tranquilo. Parecia um amante que, desprevenido, tem de fugir da casa da amada porque o marido chegou. Chego em casa esbaforido, com a cabeça doendo e o sangue quente indo dos pés à cabeça em tempo recorde. Martelando a porta, grito como se estivesse levado uma facada no tórax. De dentro de casa, minha mãe pede calma e diz que já vem abrir a porta, alertando, com bom humor, que eu não nasci de 5 ou 6 meses. Que esperasse, portanto. Tento respirar fundo. Não consigo. Pareço um náufrago que se livrou do mar e pôs os pés na areia. Grito urgência, peço pressa. "Estou nu!". Rindo, minha mãe vem abrir a porta. Não entende nada. Me olha e pensa ser alguma brincadeira. Atravesso o pequeno terraço dizendo que fui assaltado. Sigo com afinco pra cozinha, vasculho armários e gavetas, procuro o faqueiro. Quero a maior faca, a mais pontiagua, a mais brilhante: como um espadachim talentoso. Chamo meu pai que está no quarto lendo qualquer coisa. Subo as escadas e conto, entre pratos, tremeliques e saudade de minhas coisas, o que aconteceu, minha saga de autocontrole e sorte do destino. Mas não basta. Nada basta. É segunda e no sábado já tem outro jogo. Como vou jogar? Não tenho tênis, não tenho camisa, não tenho meia, não tenho nada. Exijo justiça. Quero reparação. Quero minhas coisas de volta. "Pai, pega o carro. Eles devem estar por aqui perto. Vamos atrás! Rápido! O senhor chega, joga o carro pra cima, eu desço com a faca...". Meu pai me olha como se estivesse ouvindo literatura fantástica, sorri com tranquilidade, me abraça e me pede para ir tomar banho, afinal, havia acabado de disputar uma partida de futebol. Como se puxasse bolas de aço pelos calcanhares, saio do quarto com a estranha sensação de frustração. Xingo meu pai mentalmente. Não entendo o mundo. Cadê a Justiça? Por que meu pai me mandou ir tomar banho? E os bandidos, vão usar minha camisa tão suada (literalmente, aliás) por aí como se fossem eu? Quero as minhas coisas de volta, porra! Penso que ele não quer fazer nada porque está morrendo de preguiça. Aliás, pareço ter a certeza de que se trata da mais pura e genuína preguiça. Depois, arrependido de meu julgamento, concluo comigo mesmo que o que ele estava sentindo não era preguiça, mas cansaço de mais um longo dia extenuante de trabalho. Saio do quarto dos meus pais. Fecho a porta lentamente. Ando devagar. Penso carregar todo a injustiça do mundo nas costas. Penso também carregar toda a solução do problema da violência. Vou para o meu quarto. Ligo o chuveiro e banho. Enxugo-me, me visto, ligo a TV num canal qualquer. Canso. Vou para o computador. Converso. Reencontro amigos e converso virtualmente. Leio piadas. Ouço música. Rio de um nickname engraçado. O dia segue. A noite segue. A vida segue.

E como a vida segue... Anos depois, voltando pra casa numa viagem tediosa entre a Praça Deodoro e o ponto onde desço, o ônibus para no meio do Bairro de Fátima. Olho pela janela. Pisco. Respiro. Vejo a criançada, suando em bicas, correr atrás de uma bola mixuruca no meio da rua. Na partida de travinho, dribla-se, entre buracos e carros, a desilusão, a fome, o abandono, a invisibilidade. Uma jovem, muito jovem, embala, encostada na porta, uma criança que por algum motivo eu penso ser sua filha. Bem bem poderia ser sua irmã mais nova. Nunca saberei. Respiro. Fecho os olhos. O ônibus não se move. Estou com fome. Quero chegar logo em casa. Reabro os olhos. Olho para os passantes. A parada do ônibus parece interminável. Tudo se move, mas parece que nada de mexe. Respiro. Calado, lamento e reclamo. Olho para qualquer um. Olho para um, olho para outro, olho quem passa até que... olho para uma camisa, uma camisa esportiva com um número 4 desbotado nas costas que parece se destacar em meio a descamisados e camisetas folgadas em corpos esguios. Que camisa é essa? Lembranças parecem saltar aos olhos. Oh! É a minha camisa! A camisa que me roubaram anos atrás. Não vejo o rosto de quem a usa, mas olho para ela e lembro de cada detalhe, da textura, de como me sentia forte chutando a bola pra onde eu estivesse apontado. É a minha camisa, ela ainda existe. Fecho os olhos por um segundo, um segundo que parece um ano. Lembro do assalto, de cada detalhe dele e de tudo que senti. O ônibus anda, parece que o motorista vai dar a partida. O ônibus se mexe. O motorista acelera. Uma criança atravessa na frente do ônibus. Um gol é marcado. Xingamentos por todos os lados. O desafiado é meu? Apressados como se suas mães estivessem parindo, outros motoristas buzinam. Querem celeridade. Querem passar, querem seguir em frente. O dia precisa seguir. A noite já vem vindo. A vida vai passando.

Ontem, depois de tanto discutir e ler sobre violência, "bandido bom é bandido morto", Direitos Humanos e tudo mais, só conseguia pensar: será que minha camisa continua por aí, perdida entre os sonhos que já tive e os que ainda vou ter? 


Ainda vão me matar numa rua. 
Quando descobrirem, 
principalmente, 
que faço parte dessa gente 
que pensa que a rua 
é a parte principal da cidade.

(Paulo Leminski)


sábado, 12 de outubro de 2013

Você pode tudo: só não pode confundir Justiça com vingança.

Eu sou ruim de matemática, mas de português e algumas outras coisinhas eu sou... mais ou menos. Sendo assim, nesse surto de autoengano, não consigo entender qual a dificuldade em compreender o que significa o famigerado termo Direitos Humanos (na verdade, eu até acho que sei, só não quero falar aqui. Sou tímido.). Mas, vamos lá: Direitos Humanos é Cidadania. Ponto. De exclamação. !!!. Qual a dificuldade em entender isso? Onde tem Cidadania existem Direitos Humanos. Onde não existem Direitos Humanos, vemos triunfar a brutalidade, a ignorância, o desconhecimento, o não-reconhecimento do outro e sobretudo a violência, tudo num liquidificador que se retroalimenta como se fosse natural as cadeias (do mundo, viu? Não é só do Brasilzão racista, não) se parecerem cópias pós-modernas dos navios negreiros. Não existem Direitos Humanos para preto, para branco, para amarelo, lilás e furta-cor, para bandido, para mocinho, para dono de loja, para funcionário, para políticos, para publicitários, para advogados. Existem Direitos Humanos para... humanos. Esses aí que circulam pela cidade aí afora. E, olha, eles existem até para os animais, veja bem. É da alçada do chamado Direitos Humanos não pegar um gato na esquina e torcer seu pescoço até quebrá-lo. Há quem tenha dificuldade em entender até aqui? Ajudo. Sou persistente. Tentarei ser didaticamente mais claro: Direitos Humanos é direito à vida, à propriedade, liberdade de pensamento, de expressão, de crença; é direito ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à igualdade de oportunidades (bem, aqui reside um ponto importante, mas eu sei que para muitos isso pouco importa. Farinha pouca, o pirão dos meus - que são sempre bons e castos - primeiro). Vale lembrar que ainda há os direitos chamados de "difusos e coletivos": direitos à paz, ao progresso, à autodeterminação dos povos (quem não consegue pensar além de um mundo moldado e coberto pela bandeira americana do self-made man terá dificuldade aqui, viu?), ao meio ambiente saudável... É muita coisa, convenhamos. Não se esqueça dos direitos do consumidor também, afinal, o consumidor, mesmo consumindo feito máquina, ainda é um... humano. Ao menos é o que me promete a campanha publicitária. É o que dizem. Juro. Vi na TV. É sério, não foi na Veja. A Veja mente. Aliás, todo mundo mente. É tudo vagabundo! Pausa. Respira. Segura na mão do Deus polinésio e vai. Há quem confunda problema de vista com dificuldade de enxergar o óbvio ululante (não é o óbvio do Lula, viu?). Prometo que não se trata de blá blá blá de Ciências Sociais. Há muitos outros direitos, eu sei. E você também sabe (mesmo fazendo um esforço e se distorcendo todo para pensar que não). Saiba: somando isso tudo e tudo que não foi dito, um direito que não é direito humano é o direito de matar o outro. Nem é direito de pessoa alguma, tampouco o é do Estado Democrático no qual vivemos. Isso simplesmente é crime, capisce? Qual a dificuldade em percebermos isso? Falimos moralmente a tal ponto? Recuso-me! Mesmo! Há quem diga que a Lei de Talião ficou para trás e avançamos como sociedade. Há quem garanta que não, mesmo nos seus desejos maaaaaais profundos, mesmo no seu medo maaaaaais incontrolado. Claro e cristalino: se você mata alguém, você é um assassino (com atenuantes e agravantes de "cada caso é um caso"). Você pode até matar alguém porque esse alguém matou ou estuprou sua família. Você pode tudo. Só não pode achar que isso é justiça; isso é apenas vingança.

Lançamento para o começo de novembro que nos convida ao prazer de ler. Vamos nessa? :)
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=42144799&sid=155193125151011491784028760



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O advogado bateu fofo e, na confusão, correu zilado.

Dias atrás, muitos acordaram surpresos com a repercussão das declarações insanas do advogado Gustavo Zanelli. Mais que surpresos, muitos - assim como eu - acordaram envergonhados e revoltados. Até onde pude apurar e entender, o advogado mudou-se momentaneamente para o Maranhão por conta de sua esposa, que seria aluna de Medicina na UFMA. Pois bem, era um recém-chegado, mas já veio, infelizmente, com aquela maçaroca de preconceito por baixo dos braços (e dentro da cabeça). 



Ainda ontem tinha lido sobre a ação do Ministério Público e de outros órgãos do Estado por conta das declarações racistas. Depois da explosão da repercussão, o advogado, certamente assustado e com o rabo preso entre as pernas, tratou de entrar em contato com a OAB e, segundo consta, alegou que o seu perfil no Facebook havia sido hackeado. Covarde. E, além de covarde, mentiroso. Antes de deletar o seu perfil na rede, pude conferi-lo e, entre várias mensagens, vi que ele trocava inúmeras palavras com seus amigos e conhecidos. Diante de tudo, resta dizer: vossa excelência (é, é...) bateu fofo, arregou. Em resumo: gelou foi certo!

Euclides da Cunha, autor de Os sertões, cunhou a seguinte frase: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte". E é isso que o povo nordestino é: uma força que insiste em resistir a tudo. Fome, falta d´água de um lado, chuva em excesso de outro, abandonos mil... O nordestino é, por natureza, um sobrevivente, um lutador, um guerreiro.

O que motiva um advogado a dizer tais asneiras? Antes de tudo, desconhecimento. Embaixo (e por cima, e pelos lados) de todo preconceito há um grande desconhecimento. E uma grande irresponsabilidade. Ao dizer o que disse, o advogado Gustavo Zanelli certamente não mediu o poder de suas palavras (talvez por achá-las imbatíveis, incontestáveis, inimputáveis? Ah! A certeza dos tolos...). Ao dizer o que disse, certamente não imaginou (e nem se preocupou) com o que poderia acontecer. Teria pensado em sua esposa, na situação de ser uma aluna de uma faculdade maranhense, a ter de conviver dias, meses e anos com colegas (alunos, professores, funcionários) maranhenses e nordestinos? Certamente não. Segundo dizem, o advogado correu zilado. O destino é incerto, mas o medo é certeiro. A justiça tem meios de localizá-lo. Esperemos pelos próximos e justos capítulos.

Como disse anteriormente, todo preconceito vem carregado de desconhecimento. O advogado separatista (sugiro um nome: na Espanha há o ETA; ao advogado, sugiro o ÊTA!), por certo, desconhece a história do seu próprio país. Ou pensará em fazer de Cambé, cidade de quase 100.000 habitantes no interior do Paraná, seu próprio país, tornando-se delegado, padre e prefeito ao mesmo tempo? Ou só lhe bastaria ser rei (nem que seja rei de si próprio)? Na última segunda-feira, o jornalista Laurentino Gomes, autor da trilogia mais vendida do Brasil (a saber, 1808, 1822 e, agora, 1889), foi o entrevistado do Programa Roda Vida. Lá pelas tantas, por conta do lançamento do último livro (já best-seller com 300.000 mil cópias), indagaram-no acerca do que seria o maior mistério da história brasileira, o fato que mais o surpreendeu durante as pesquisas para a escritura dos três livros. Ele respondeu algo como o fato de sermos um país, termos resistido aos encantos do separatismo. No mundo que valoriza a diferença, o advogado deu um show de ignorância, truculência e, desplugado da realidade, preconceito. No mundo das trocas culturais, das experiências e possibilidades múltiplas de viver e estar, o advogado quer um mundo uniforme, do jeito dele, dividido entre "os dele" e "o resto". Nas palavras dele, nesse sentido, não adianta querer ver "qualidade nesse povo". Entre tantas, sentencia: "É por isso que há tão poucos sulistas por aqui".

Vale lembrar, este ataque de sincericídio racista (?) não foi o primeiro. Pior, não será o último. É preciso olhos bem atentos para que o preconceito não vire rotina, que a ignorância não seja naturalizada e que o desconhecimento não seja louvado como certo. Em outubro de 2010, logo após a vitória eleitoral de Dilma Rousseff sobre José Serra, a estudante de direito Mayara Petruso destilou impropérios contra os nordestinos no Twitter. Lembram dela? Recentemente, ela foi condenada a 1 ano, 5 meses e 15 dias de prisão pelo crime de racismo. Diferentemente do advogado, ela admitiu a publicação e disse que foi motivada pelo resultado que lhe desagradou. Afirmou ainda que não tinha a intenção de ofender, que não é preconceituosa e que não esperava tamanha repercussão. Disse estar arrependida e envergonhada. A juíza, na sentença, ponderou: "O que se pode perceber é que a acusada não tinha previsão quanto à repercussão que sua mensagem poderia ter. Todavia, tal fato não exclui o dolo". É preciso, ressalto, responsabilidade e hombridade - matéria-prima cada vez mais rara. De um lado, bancar suas posições, suas declarações. De outro, assumir seus erros (e as consequências deles). É assim a vida - ou ao menos assim deveria sê-la. E, olha, ainda há quem insista em achar as redes sociais uma besteira, uma distração, um mero passatempo. É, pode ser, mas é preciso saber também que estamos além disso, sobretudo se considerarmos o nível de hiperconexão social a que estamos submetidos (com ou sem consentimento). A verdade é: estamos todos nus!




Há algumas semanas, depois de um apagão elétrico que atingiu parte do Nordeste, no Twitter podia-se ver o seguinte (entre outras declarações):




O preconceito se dilui de tantas formas que, muitas vezes, nem percebemos. Achamos engraçado e não somos parte disso, afinal, isso é o outro. Vejamos:



Isso só pode ser piada se você desconhece a sua realidade, se você ignora que há plantas, animais e seres humanos definhando de sede e de fome. Mas, mas, mas... nós nordestinos, além de tudo, além de nosso desejo terrível de viver (o que é nossa miséria e salvação), ainda somos sobrecarregados de bom humor e de esperança, a força que nunca seca. 



E pensar que o Maranhão será uma lembrança inesquecível para o resto da vida do advogado Gustavo Zanelli... Que ironia!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Doença da alma

Ontem matutei que, não importando os motivos, as razões ou os porquês, quando uma pessoa resolve tirar a própria vida, todos morremos um pouquinho. É como se nós, enquanto humanidade, não estivéssemos dado certo, sobretudo naquele nanosegundo que separa a faca do pulso, o revólver da cabeça, o comprimido e a boca.

Existem inúmeros estudos contemporâneos sobre o suicídio e muitos focam nas características individuais dos sujeitos. Émile Durkheim, figura de proa da Sociologia, publicou no distante ano de 1897 o seu clássico "O suicídio", uma das obras máximas da disciplina. Nela, Durkheim, entre outras coisas, analisou brilhantemente as conexões entre os indivíduos e a sociedade, buscando demonstrar que o ato de suicidar-se é resultado/produto do meio social que cerca o indivíduo. Ou seja, o ato é encarado a partir dos diferentes graus de integração com grupos - o que ele chama de integração social. Esse grau de interação e de laços sociais, entre outras coisas, fortalece ou enfraquece a ideia do suicídio, o ato de suicidar-se. Exemplo prático: taxas de suicídio são maiores entre os solteiros, viúvos e divorciados do que entre os casados; taxas são mais altas em pessoas que não têm filhos. E por aí vai.

Ontem acordei com a minha esposa me dizendo: "O Champignon do Charlie Brown se matou". Semana passada, um outro amigo me disse sobre o suicídio de um outro rapaz. Tudo triste, muito triste e pesado. Mas mais pesado não foi ter acordado ouvindo isso, mas ter ido dormir depois de ler coisas como: "Acorda pra vida! Não se mate. Há muita coisa melhor a ser feita. É triste perceber que esse é o único jeito que alguns acham para aparecer, pra chamar atenção, pra se destacar". Sério. Ao ler isso e constatar quem diz isso, meu estômago embrulha. Minha humanidade desfalece. Há algo de mais profundo e obscuro nessas falas, não é possível! Estamos em 2013, mas poderia ser... aliás, até quando vai ser assim? Pra sempre? Até quando, a pretexto de "penso assim", poderemos falar o que julgamos como certezas de nosso mundinho, imiscuindo-nos n'uma seara que não tão bem entendemos? Quando dei por mim, entendi que liberdade é irmã siamesa da responsabilidade. Sou um tolo? Nem preciso dizer que, claro, entre outras mil frases, comentários e "não que eu esteja julgando ou queira julgar alguém, mas...", estava lá, como que reluzente: "Isso é falta de Deus no coração". Diante disso, como domar os meus instintos mais primitivos?

Quem morre leva consigo o verdadeiro motivo de seu ato final. O suicídio, salvo exceções, é muito bem pensado, maquinado, orquestrado. Mesmo no desespero, a centelha da ideia estava lá, pronta para ser regurgitada. Em algumas vezes, pelo que entendi, considera-se tudo: contas a pagar, o filho a nascer, negócios a fazer; em outras, nada importa. Quem se mata leva consigo (mas também deixa) muita dor, saudade e incompreensão. O certo, tenho para mim, é: só o tempo para agir sobre dores da alma. E olhe lá! Há dores que não passam nunca, só diminuem. Ou a gente finge que elas diminuíram. A gente pega a dor, a esconde, em outras se esconde dela, trocamos a roupa para que não a reconheçamos... mas ela estará lá, sempre estará lá pronta para ascender feito um vulcão impaciente por ter sido ludibriado. Há quem olhe no corpo do suicida um corpo podre e sobretudo uma mente fraca. Nunca, nunca o olham como um produto de uma doença, a pior das doenças: a doença da alma. O Champignon perdeu seu amigo dileto - um segundo pai, como já pude conferir em entrevistas do próprio. Na verdade, ele perdeu seus dois principais amigos: o Chorão e o Peu Sousa, ex-guitarrista da Pitty. Quem perde amigos perde pilares de sustentação, perde motivos para sorrir, perde força para viver. Quem perde alguém pode nunca mais se encontrar. Quem perde alguém que gosta de verdade nunca permanecerá igual, indiferente, indolor. Vinícius de Moraes, um dos nossos faróis, disse um dia: "Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre...". Mesmo diante disso, ainda há quem ache que se matar é sempre buscar holofotes. Não é mórbido que usem isso como holofote justamente quando a luz se apaga?

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Mais Hipócrates e menos hipócritas, por favor!

Desde a divulgação do programa Mais Médicos, do Governo Federal, me posicionei a favor. Com algumas ressalvas, é bem verdade, sobretudo porque acredito que nenhum programa - econômico, social, cultural, ambiental - vai consertar o que temos de ruim do dia para a noite. Raramente existe solução fácil para problemas excessivamente complexos e com múltiplos atores. Muitos problemas, aliás, para serem resolvidos, levarão décadas e muita, muita vontade política (para não dizer outras coisas). Para ficar apenas num exemplo: de acordo com o estudo Progress on Sanitation and Drinking Water, da Organização Mundial da Saúde/UNCEF, de 2010, quase 7 milhões de habitantes não tinham acesso à água potável. Trinta e um milhões de brasileiros e brasileiras não tinham coleta de esgoto. Isso é alarmante e reflete diretamente na qualidade da saúde de nossa gente. Grande parte desse esgoto não tratado vai direto, você sabe, para as nossas praias. A despeito disso, não adianta um político ser fotografado graciosamente a cair de cabeça em certas ondas porque, todos sabemos, elas continuam impróprias para o banho. O dizer "pinto no lixo" legendaria bem a foto.

Fui - e continuo sendo - a favor do programa porque nele reconheço infinitos méritos. E uma coragem imensa, imensa. Quando o Brasil decidiu-se pelo SUS, estabeleceu que o direito à saúde era um bem de todos os brasileiros e brasileiras. Isso é importantíssimo e diz muito sobre o país que somos e o país que queremos ser. Nos últimos dias, desde o lançamento do programa, fiz vários comentários sobre a questão, sobretudo apontando a hipocrisia de grande parte da classe médica, sem falar no preconceito ideológico de muitos. Apontei o excessivo interesse classista, muitas vezes, acima do interesse comum. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Destaco dois pontos:

- Antes, quando do lançamento do programa, a questão principal era a aplicação do Revalida, o exame que comprovaria a capacidade dos postulantes. Um médico brasileiro que mora em Portugal - Pedro Saraiva - denunciou que o exame era montado para dificultar ao máximo a aprovação dos postulantes, em geral brasileiros que fazem Medicina em outros países, mas também estrangeiros. Explico: a prova trazia questões que, para o recém-formado, eram praticamente impossíveis de serem respondidas, dada a sua inexperiência e desconhecimento em assuntos específicos. Ou seja, a prova era recheada de perguntas a quem só especialistas vividos poderiam responder. O objetivo, claro, aí está: blindar a entrada de quem ousasse sonhar em adentrar na patota da classe médica. A quem interessaria a menor quantidade de médicos? Ora, ora, pensem com seus botões. A população que sofre e clama por mais médicos certamente não é uma resposta válida. Ou você já viu algum paciente dizer que é contra a importação da médicos? Em prova recentemente aplicada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Brasil), constatou-se que 54,5% dos médicos que fizeram a prova não acertaram nem 60% das questões, ou seja, não teriam condições de atuar. O presidente do Cremesp, Renato Azevedo Junior, disse que "O resultado é preocupante e confirma a nossa suspeita de que há um grave problema na formação dos médicos. O problema precisa ser enfrentado". O que quero destacar com isso é muito simples: grande parte dos nossos médicos vive numa bolha e, por conta disso, não consegue reconhecer suas limitações. Daí, como reconhecer que além de poucos, muitos são ruins? Não. Acham exatamente o contrário: são bons e em quantidade suficiente. E não adianta você dizer que o Brasil, 7a. economia do mundo, tem apenas 1,8% de médicos estrangeiros enquanto a Inglaterra - com um sistema de saúde semelhante ao nossos SUS - tem 37% de seu corpo médico formado por estrangeiros, ou que os EUA têm 25%, Canadá, 22%... Como eu disse para uns amigos médicos, claro que sou a favor de um revalida para os médicos a serem importados. Mas um revalida condizente com o que queremos e precisamos, e não um revalida que invalida. Até porque eu sou plenamente a favor de que venham médicos capazes, pois médicos ruins já formamos aos montes nas nossas universidades, infelizmente.

- Depois, num outro momento, a questão passou a ser a quantidade de médicos. Já está comprovado por A+B que os médicos brasileiros são poucos, dado a necessidade de nossa gente e, sobretudo, dada a dimensão continental do nosso país. Além disso, estão extremamente mal distribuídos. O raciocínio fácil de alguns que portam o jaleco branco tenta pregar a seguinte peça: os nossos médicos estão no Sudeste e no Sul porque lá é onde estão as melhores condições de trabalho, lá é onde têm hospital com qualidade, lá é onde estão as residências, não falta isso, não falta aquilo... Como as últimas notícias sobre o assunto têm nos mostrado, a coisa não é bem assim. Há lugares, desde hospitais de referência, como o Hospital de Câncer de Barretos, a outros, como na cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, que estão em seríssimas dificuldades por falta de... investimento? Não! Por falta de médicos! A cidade de Novo Hamburgo, que citei como exemplo, vai fechar a partir de hoje a sua UTI Pediátrica por falta de profissionais. Segundo a assessoria de imprensa do hospital, o Hospital Regina deveria ter 8 profissionais, mas, atualmente, conta com apenas 4, sendo que dois pediram afastamento temporário. O quadro é esse e só não vê quem não quer.

A questão é simples: o concreto rachou. Não dá mais para tapar o Sol com o estetoscópio. Nos últimos dez anos, segundo o Ministério da Saúde, há um déficit de cerca de 50 mil médicos. Os estrangeiros que serão importados virão para a saúde básica. O que se destaca na saúde básica é atenção. E atenção só dá quem está presente. É plenamente entendível que muitos dos médicos do Norte e Nordeste, quando migrem para o Sul e Sudeste para fazerem residência e se especializarem, por lá fiquem. Já há estudos das próprias entidades médicas que comprovam que cerca de 80% dos médicos que fazem residência tendem a fixar-se nos locais onde fizeram residência. Enquanto isso, o que diremos para as famílias que dormem nas filas na esperança de conseguir marcar uma consulta? É hora de enfrentar os problemas e quebrar certas proteções e mitos. Com a certeza de que não faremos tudo do dia para a noite, conforme destaquei, penso que não dá para dobrarmos a esquina e fingir que certos problemas não existem. Muitos problemas clamam soluções. A hora de minimizarmos este talvez seja agora.

Temos visto nas últimas semanas várias manifestações da classe médica. Cansados da possibilidade de receberem apenas 10 mil reais por mês, acham que é pouco. Falam em precarização do trabalho médico. Acho que falam sem saber o que isso significa em sua plenitude. Num post futuro, vou mostrar como isso é uma meia verdade, pois, na verdade, o que há é a precarização para quase todos os trabalhadores na economia globalizada. O que acontece agora é que os médicos sofreram um choque de realidade: o quadro é trabalhar muito e ganhar menos, menos do que um dia sonharam ou lhes prometeram. Esse quadro lhe parece familiar, não? Uma das principais características do trabalhador precariado é o baixo salário - nisso, por exemplo, os médicos quando argumentam viram piada. Você, que me lê agora e que acabou de se formar no seu curso, toparia receber R$ 5.000 (a metade do oferecido, hein!) no primeiro emprego, custeado pelo Governo Federal durante 3 anos? Por que o Brasil deve ficar com medo - e refém - dos médicos? Só quem tem reclamado do Mais Médicos são os próprios médicos. Ou você já viu o pessoal da Fisioterapia, Psicologia, Fonoaudiologia, Enfermagem reclamar? As outras disciplinas da equipe médica sabem o que é ficar refém da classe médica. Basta lembrar do Ato Médico que, a despeito de estabelecer áreas de atuação, tinha como objetivo estabelecer que o médico era quem mandava. E ponto final. Sob o olhar das entidades médicas, ao médico não cabe agora ser apenas médico: querem ser ainda o xerife, o prefeito e o padre. Fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, enfermeiros etc., sabem, mais do que qualquer um, que muitos médicos, sobretudo a nova geração mais afeita à máquina que ao homem, têm o rei na barriga. Como ousar direcionar o olhar na direção de onde foram sociohistoricamente (econômica e culturalmente, também) instruídos para não olharem? Muitos médicos, numa atitude covarde que mancha o juramento de Hipócrates, começaram a paralisação desmarcando consultas e operações no SUS. Essas consultas e operações, como sabemos, demoram muitas vezes meses para serem agendadas. Quando eu falo que há um excessivo corporativismo e um desinteresse por grande parte da geração médica atual pela coisa pública, não é sem razão. A quase totalidade das manifestações médicas foram realizadas durante o horário do serviço público. Paralisação na hora do atendimento em consultório privado? Nem pensar! Um amigo dentista comentou que em São Luís ele tinha se surpreendido, pois poucos médicos haviam se manifestado. Eu respondi a ele: "Meu caro, isso não é novidade. Muitos não se manifestaram por que muitos não há". Simples assim!

Já tanto abordei e há tanto a abordar nesse assunto que, saliento, eventualmente esta temática merecerá outros posts, sob pena d'eu não ser atendido por mais nenhum médico, inclusive os meus vários amigos que se formaram nessa tão fundamental profissão. Constatei que depois que comecei a me posicionar fortemente a favor da importação de médicos de Cuba, Espanha e Portugal - se você falar que é só Cuba assegura o seu preconceito ideológico e o seu desconhecimento, afinal, Cuba tem a melhor saúde básica do mundo segundo a Organização das Nações Unidas -, virei um burro. Quem critica os médicos vira burro e inimigo figadal da classe. Se eu não tivesse traquejo, confesso, poderia perder boas amizades. Contudo, fiquei só com a dor de cabeça (já medicada, relaxem!). Há alguns dias, vi médicos dizerem pelas redes sociais coisas como "Eu já marquei o seu rosto. Estou esperando quando você der entrada no hospital...". Isso, entre outras coisas, é sintoma de corporativismo excessivo. O que mais me preocupa é o quanto alguns estão desplugados da realidade social de nosso país. Critiquei e virei um pária. Imagina o que não acontece nas filas intermináveis e nos corredores cheios de macas em nosso país? Como ousei criticar a classe mais blindada do Brasil, virei um ignorante, um ser que não sabia de nada por saber o que eu sei e falar o que eu, pretensamente, não deveria. E, vale lembrar, eu não sabia de nada e não tinha direito de opinar sobretudo porque nunca peguei num bisturi. De que me adianta argumentar que já li vários autores e estudos sobre a questão? Nada! "Ei, eu tive uma disciplina no doutorado que foi só a questão da saúde, dos hospitais, do envelhecimento da população mundial...", nada de novo. Eu não sou médico, logo, tenho de ficar com o bico calado. Mas como eu persisto... Com felicidade e alívio, vi que muitos médicos apóiam a importação dos médicos, pois são sabedores da situação da categoria: pouco interesse pela coisa pública e muito interesse pelo privado (onde se ganha mais) resume bem parte da questão. Nesse quadro, é bom constatar, esses próprios médicos que são a favor da importação viraram traidores, personas non gratas, indignos de serem partícipes do clubinho. Desde o começo, ficou claro que nenhum médico perderá o seu emprego. Os médicos que serão importados irão trabalhar onde nenhum (ok, muito poucos) dos nossos querem ir. Essa é a questão. Essa é a verdade. Por que tanto medo? A reserva de mercado fica cada vez mais clara. Mais médicos? Só se for dos nossos, formados em faculdades com mensalidades cada vez mais altas. Depois de formados, claro, esses novos médicos terão de correr atrás do alto valor gasto. O investimento sempre cobra o seu preço. Isso para falar apenas do custo de formação nas faculdades particulares que, claro, não são totalmente particulares, haja vista o uso do FIES. O ponto é: chega de hipocrisia. O Estado brasileiro precisa investir muito mais e para de subsidiar os planos de saúde, é bem verdade. Exijamos isso. Mas precisamos de muitos, muitos mais médicos para tirarmos o nosso país da UTI. Tenhamos isso claro, também.

PS: Numa próxima, quem sabe, podemos falar do obscuro "mercado de locação de CRM", ou dos médicos que batem o ponto e não trabalham, ou dos médicos que moldam dedos de silicone para simular que os colegas estão na labuta... Quem sabe também não aproveitamos para falar do fato da turma de 2012 de Medicina da USP não contar com nenhum negro? Deve ser coincidência, você sabe... No momento, me recuso a falar desses pontos e, em especial, da hashtag mais popular no Brasil há dois dias "Somos ricos, somos cultos", pescada na manifestação de médicos em Brasília. Isso é além da hipocrisia; virou achincalhe.