quinta-feira, 25 de julho de 2013

Das imperfeições da vida (e da publicidade)

Na minha opinião, uma das mais belas parcerias da dupla Chico Buarque & Edu Lobo é a canção "Ciranda da Bailarina". A música traz versos que, entre outras coisas, nos deixa uma certeza: procurando bem, todo mundo tem um monte de coisas que finge não ter. Seja em si mesmo, seja na família, seja no convívio com amigos. "Caetaneando", poderíamos cantar "de perto, ninguém é normal". E estamos assim: querendo ser diferentes e únicos e, ao mesmo tempo, normais. Seja lá o que isso for, se não conseguirmos enganar outra pessoa, que ao menos lutamos para enganar a nós mesmos.

Hoje, vi com surpresa a quantidade de publicitários que encamparam e repassaram a seguinte notícia no blog BlueBlus: "Campanhas da Dove nao funcionam, consumidor quer ver gente magra – é isso?" (link aqui: http://www.bluebus.com.br/campanhas-da-dove-nao-funcionam-consumidor-qr-ver-gente-magra-e-isso-mesmo/).



O BlueBlus, segundo entendo, é um dos blogs referenciais para estudantes e profissionais da Comunicação. No Facebook, por exemplo, há quase 65 mil pessoas recebendo suas atualizações. Legal, não? É, pode ser. Mas, "olhando de perto"... Confesso: na era dos coxinhas (ah! se ao menos fosse a das coxinhas...), me incomoda bastante a necessidade profissional de dizer um monte de coisas, mas não informar quase nada. Funciona mais ou menos assim: publica-se o post, dá-se a notícia, mas não se questiona nada, não se posiciona acerca do fato. O que pensa a BlueBlus sobre isso? Não se sabe. Eu, ao menos, não sei. Parece que o interesse é meramente gerar fluxo nas postagens sob uma pretensa capa de colabore/comente, o que você acha disso?, é isso?Não seria mais rico para todos os lados se o autor das postagens se posicionasse e, depois disso, indagasse sobre o posicionamento do público que lê o blog? Para mim, a questão ganha tons trágicos quando temos que grande parte do público consumidor desse blog é formada por estudantes - e, pior, poço do fundo do abismo: professores e profissionais referências que, sem pensar direito, repassam a notícia, chancelando o que, a meu ver, são verdadeiras barbaridades. A mim, tudo isso cheira a uma versão pobre do é ruim, mas vende como água. Em outra medida, não fala nada, mas todo mundo viu, primo do falem mal, mas falem de mimEm "comuniquês", gerou buzz, foi bom. O ruim é entender que isso, para muitos, é gerar conteúdo. Falar qualquer coisa - tudo e nada -nas redes sociais (blogs, Facebook, Twitter), pra mim, não é exatamente gerar conteúdo. Não é. Não pode ser que seja. Dificilmente vemos nas postagens do BlueBlus, por exemplo, posicionamentos de quem escreve o post. Neste a que me referi, por exemplo, o texto é o seguinte:

Para Kelly Cutrone – empresária da moda, fundadora da agência de RP People’s Revolution e personalidade da TV americana –, as campanhas da Dove sao bacanas, sao legais, mas tem um porém – nao vendem. “A sociedade tem uma hiper ênfase no magro, e essa tendência vem dos consumidores – ela nao vem da indústria da moda. A indústria da moda precisa fazer dinheiro. É isso que a gente faz. Se as pessoas dissessem – ‘Nós queremos uma pessoa lilás de 130kg’, a 1ª indústria a obedecer seria a da moda. Você olha para a campanha da Dove na Times Square – ela se destaca. Aquelas mulheres de camisetas e lingerie branca, perto do anúncio da Calvin Klein. Como consumidora, isso nao me faz querer comprar os produtos da Dove. Eu apoio o look real, mas como consumidora isso nao me faz querer comprar roupas”. E você, também acha que quem impoe padroes nao é a moda e sim o consumidor? Via AdFreak.


Poderia destacar muitas coisas desse texto (e além dele), mas vou ficar em três:

1) "São bacanas, são legais, mas não vendem". Não vende o que, cara-pálida? O que é vender? Cadê o blá blá blá todo de que o branding é a coisa mais importante e...?
2) "A indústria da moda precisa fazer dinheiro". Sério? Qual indústria não precisa do "faz-me rir"?
3) "Nós queremos uma pessoa lilás de 130kg, a 1a. indústria a obedecer seria a da moda". É tanta coisa que... sério: alguém pode me dizer o que pode vir a ser "uma "pessoa lilás de 130 kg?" 

O "e você, também acha que quem impõe padrões não é a moda e sim o consumidor?", é salutar de como a falta de posicionamento é produzida e colocada: quem acha que a moda impõe padrões, além da Kelly Cutrone, é a responsável pelo blog? Ou o também refere-se apenas a Kelly e a quem lê o post?

Avançando. Temos um pobre dilema Tostines: quem impõe padrões, a moda ou o consumidor? Claro que há uma dupla ação em que esses dois agentes atuam. Mas o poder de cada lado é desproporcional. Tão desproporcional quanto ridículo dizer que ele é visto, sentido ou percebido. A moda (assim como outros ramos industriais e culturais), apesar de ouvir cada vez mais seus "consumidores-produtores", ainda é quem dita os padrões. A gente escolhe as cores da estação, mas só depois que a palheta de cores é colocada na enquete. Nem há de se esforçar tanto para se mostrar a validade dessa linha de raciocínio e desse entendimento, pois o que eu quero destacar é outro ponto: claro que esse comercial não é perfeito, e já há alguns estudos que mostram que, mesmo em comerciais desse tipo (e aquele precursor que mostra o rosto de uma modelo alterado no Photoshop) há uma forte tendência para a utilização de um determinado "padrão de mulheres". Em miúdos: a gordinha não é qualquer gordinha; é uma gordinha de cabelos lisos, dentes brancos perfeitamente alinhados, pele brilhosa... Tem o cabelo armado, pronto para um assalto? Fique tranquila: há, no comercial e numa prateleira bem perto de você, um shampoo perfeito que resolve isso, uma maquiagem "nos trinques" (com propaganda disfarçada de publieditorial ou publieditorial disfarçado de "recomendação") no blog beauté da vida mais acessado da semana e que, olha que coincidência!, está com uma promoção ótima de produtos a serem sorteados...

O meu ponto é: a indústria - e o processo de tornar todo mundo igual, mesmo que gritemos nossas infinitas particularidades - é tão forte que, no fim, estamos todos aí, frustrados e frustradas não nos aceitando, nos renegando, nos podando, nos mutilando. Estamos cada vez mais sendo obrigados a sonhar em ser alguém que a gente não conhece, nem quer, mas querem que a gente seja. A todo custo. A todo custo e a qualquer dinheiro. É o supereu da pós-modernidade: instigando o prazer a todo instante, a ordem é clara: goze, goze a todo momento. Seja forte, feliz, brilhante, rijo, bem humorado etc., agora. E toda hora. A toda hora, de preferência. No receituário - nesse mapa cognitivo de como fazer para chegar lá - há muitos com a fórmula pronta: muitos potes de whey protein, uma dose dedicação, outra de foco, uma pitada de superação, um punhado de fé, tudo convergindo n'um projeto ou treino, renovável a cada três meses e após cada reavaliação. Nesse projeto, claro, cabem esporádicos prazeres. Todos low carb. Há quem assegure que tudo fica mais gostoso se você está vestido com alguma peça em néon. Abraços no seu melhor amigo/amiga? Ficam para depois. Chocolate embaixo da coberta com a pessoa que você ama? Quem sabe n'um outro dia. Conclusão: ver o por do Sol virou programa de índio!

PS: para quem quiser conhecer ou relembrar a "Ciranda da Bailarina", aí vai: http://www.youtube.com/watch?v=RsF5f14i9oM

Um comentário:

Dai Bentivi disse...

Esse é um bom tema para reflexão e discussão: a forma como a sociedade exerce o controle sobre o nosso corpo. Afinal, a quem pertence o nosso corpo? É opressor e brutal!