terça-feira, 10 de setembro de 2013

Doença da alma

Ontem matutei que, não importando os motivos, as razões ou os porquês, quando uma pessoa resolve tirar a própria vida, todos morremos um pouquinho. É como se nós, enquanto humanidade, não estivéssemos dado certo, sobretudo naquele nanosegundo que separa a faca do pulso, o revólver da cabeça, o comprimido e a boca.

Existem inúmeros estudos contemporâneos sobre o suicídio e muitos focam nas características individuais dos sujeitos. Émile Durkheim, figura de proa da Sociologia, publicou no distante ano de 1897 o seu clássico "O suicídio", uma das obras máximas da disciplina. Nela, Durkheim, entre outras coisas, analisou brilhantemente as conexões entre os indivíduos e a sociedade, buscando demonstrar que o ato de suicidar-se é resultado/produto do meio social que cerca o indivíduo. Ou seja, o ato é encarado a partir dos diferentes graus de integração com grupos - o que ele chama de integração social. Esse grau de interação e de laços sociais, entre outras coisas, fortalece ou enfraquece a ideia do suicídio, o ato de suicidar-se. Exemplo prático: taxas de suicídio são maiores entre os solteiros, viúvos e divorciados do que entre os casados; taxas são mais altas em pessoas que não têm filhos. E por aí vai.

Ontem acordei com a minha esposa me dizendo: "O Champignon do Charlie Brown se matou". Semana passada, um outro amigo me disse sobre o suicídio de um outro rapaz. Tudo triste, muito triste e pesado. Mas mais pesado não foi ter acordado ouvindo isso, mas ter ido dormir depois de ler coisas como: "Acorda pra vida! Não se mate. Há muita coisa melhor a ser feita. É triste perceber que esse é o único jeito que alguns acham para aparecer, pra chamar atenção, pra se destacar". Sério. Ao ler isso e constatar quem diz isso, meu estômago embrulha. Minha humanidade desfalece. Há algo de mais profundo e obscuro nessas falas, não é possível! Estamos em 2013, mas poderia ser... aliás, até quando vai ser assim? Pra sempre? Até quando, a pretexto de "penso assim", poderemos falar o que julgamos como certezas de nosso mundinho, imiscuindo-nos n'uma seara que não tão bem entendemos? Quando dei por mim, entendi que liberdade é irmã siamesa da responsabilidade. Sou um tolo? Nem preciso dizer que, claro, entre outras mil frases, comentários e "não que eu esteja julgando ou queira julgar alguém, mas...", estava lá, como que reluzente: "Isso é falta de Deus no coração". Diante disso, como domar os meus instintos mais primitivos?

Quem morre leva consigo o verdadeiro motivo de seu ato final. O suicídio, salvo exceções, é muito bem pensado, maquinado, orquestrado. Mesmo no desespero, a centelha da ideia estava lá, pronta para ser regurgitada. Em algumas vezes, pelo que entendi, considera-se tudo: contas a pagar, o filho a nascer, negócios a fazer; em outras, nada importa. Quem se mata leva consigo (mas também deixa) muita dor, saudade e incompreensão. O certo, tenho para mim, é: só o tempo para agir sobre dores da alma. E olhe lá! Há dores que não passam nunca, só diminuem. Ou a gente finge que elas diminuíram. A gente pega a dor, a esconde, em outras se esconde dela, trocamos a roupa para que não a reconheçamos... mas ela estará lá, sempre estará lá pronta para ascender feito um vulcão impaciente por ter sido ludibriado. Há quem olhe no corpo do suicida um corpo podre e sobretudo uma mente fraca. Nunca, nunca o olham como um produto de uma doença, a pior das doenças: a doença da alma. O Champignon perdeu seu amigo dileto - um segundo pai, como já pude conferir em entrevistas do próprio. Na verdade, ele perdeu seus dois principais amigos: o Chorão e o Peu Sousa, ex-guitarrista da Pitty. Quem perde amigos perde pilares de sustentação, perde motivos para sorrir, perde força para viver. Quem perde alguém pode nunca mais se encontrar. Quem perde alguém que gosta de verdade nunca permanecerá igual, indiferente, indolor. Vinícius de Moraes, um dos nossos faróis, disse um dia: "Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre...". Mesmo diante disso, ainda há quem ache que se matar é sempre buscar holofotes. Não é mórbido que usem isso como holofote justamente quando a luz se apaga?

Um comentário:

CRIS LIMA disse...

ACREDITO QUE O SUICÍDIO É O ULTIMO RECURSO QUE O SER HUMANO BUSCA PARA ALIVIAR SEU SOFRIMENTO.